PARA CURAR A DOENÇA, O BANCO CENTRAL PODE ACABAR MATANDO O PACIENTE – UMA ANÁLISE CRÍTICA DA CONSULTA PÚBLICA 117/2025
- Diego Mariano da Rocha Santos
- 15 de fev.
- 9 min de leitura

💡 O REMÉDIO PODE SER MAIS FORTE DO QUE A DOENÇA?
A recente Consulta Pública[1] 117/2025 do Banco Central do Brasil (BCB) levanta um debate fundamental sobre a liberdade de mercado e a transparência no setor financeiro. A proposta de Resolução, elaborada em conjunto com o Conselho Monetário Nacional (CMN), propõe restringir o uso de denominações, termos e expressões por instituições autorizadas e fiscalizadas pelo BCB que possam sugerir uma atividade para a qual não tenham autorização específica. A medida se estende a nomes empresariais, marcas e domínios na internet, tanto em português quanto em línguas estrangeiras.
Essa restrição está sendo ventilada na Consulta Pública 108, que trata do Banking as a Service (BaaS). O artigo 6º, §2º, inciso III da minuta anexa ao Edital veda instituições financeiras sob a alçada regulatória do BCB de firmarem contratos com empresas que utilizem expressões enganosas em suas denominações.
O antecedente mais remoto sobre esse tema que se têm conhecimento data de 2021, quando o Departamento de Organização do Sistema Financeiro (DEORF), órgão do BCB responsável pelos processos de autorização de funcionamento no âmbito do nosso regulador, solicitou posicionamento da Procuradoria-Geral do Banco Central a possibilidade jurídica de o CMN e BCB, conforme suas respectivas competências legais, editarem normas que disponham sobre quais instituições supervisionadas por esta Autarquia podem utilizar, em sua denominação, nome fantasia ou qualquer identificação ao público em geral, os termos “banco”, “bank” e outras expressões similares em vernáculo ou em idioma estrangeiro[2], oportunidade em que foi elaborado o Parecer Jurídico 22/2021-BCB/PGBC.
Aqui, expressamente a justificativa apresentada para a nova regra é reforçar a transparência na prestação de serviços financeiros, de consórcios e de pagamentos.
🏴☠️ ONDE DEVERIA IMPACTAR? 🚔
Casos problemáticos que efetivamente confundem o consumidor e se beneficiam indevidamente da credibilidade associada ao termo "banco" incluem:

Mais recentemente, o “GiraBank”, que se dizia ser um “banco digital” e era relacionado ao influenciador Carlinhos Maia, utilizava serviços de BaaS da Acesso Instituição de Pagamento (Bankly.com.br) - vinculado ao conglomerado financeiro e prudencial do o Banco Votorantim – e da Pinbank Instituição de Pagamento, foi apontado com esquema fraudulento e, hoje, conta com mais de 2400 ocorrências no Reclame Aqui e figura, como réu, em mais de 200 processos judiciais [3].

A equipe da Fin+ identificou pelo menos 11 empresas que usavam a denominação "bank" para atrair consumidores e foram alvo de Stop Orders da CVM em decorrência de atuações não autorizadas pelo BCB e que, a rigor, não seriam tocadas pela resolução proposta por BCB e CMN, muitas das quais apontadas como scam, como pirâmides financeiras.
Se a regra valesse para todas as empresas brasileiras, poderíamos evitar ou dificultar o surgimento dessas fraudes. Mas, como proposta, ela só atinge quem já está sob a regulação e fiscalização do BCB, enquanto golpistas seguem livres.
🛑 O PARADOXO DO NUBANK E O RETROCESSO NA INCLUSÃO FINANCEIRA. COMO ISSO FUNCIONA NO MUNDO? 🌍
Realizamos um levantamento detalhado - utilizando como critério as expressões “bank” e “banco” - e identificamos pelo menos 60 instituições autorizadas e fiscalizadas pelo BCB e pelo menos outras seis instituições participantes do PIX, mas que não estão sujeitas à autorização de funcionamento pelo BCB, também seriam impactadas[4].

As instituições autorizadas pelo BCB, conforme o art. 6º, II da minuta, teriam que apresentar ao Regulador “plano de adequação” em um prazo de 180 dias a contar da publicação da resolução e, além disso, elas deverão adotar medidas para adequar os contratos de prestação de serviços ou de parcerias operacionais firmados antes da data de entrada em vigor da nova regra, até 30 de junho de 2026.
A medida levanta questionamentos sérios sobre sua efetividade e impacto real positivo no público que pretende proteger – o consumidor, especialmente aqueles de baixa renda, pouca escolaridade e carente de educação financeira.
O Nubank , por exemplo, é o "banco" de mais de 60 milhões de brasileiros e que, comprovadamente, foi e é um dos principais agentes de inclusão financeira no país[3], como não é “tecnicamente” um banco, pois é autorizado pelo BCB como IP (NU Pagamentos S.A. – Instituição de Pagamento), SCFI (NU Financeira S.A. - Sociedade de Crédito, Financiamento e Investimento) e CTVM (NU Investimentos S.A. – Corretora de Títulos e Valores Mobiliários), teria que fazer uma gama de adequações, não só de branding, como de TI – imagina o esforço e tudo que implica alterar o www.nubank.com.br, por exemplo.
Se a regra estivesse em vigor desde a criação do Nubank, ele teria tido o mesmo impacto? Tenho minhas dúvidas.
Além disso, o Brasil ainda carece de inclusão financeira, especialmente no Mercado de Capitais, que sequer experimentou todo o potencial do Open Finance. A "flexibilidade de branding" no setor bancário foi essencial para que fintechs como o Nubank fossem vistas pela população desbancarizada como um banco digital acessível e seguro.
Muitos clientes que eram negativados ou não tinham comprovação de renda abriram contas no Nubank e até tiveram acesso a microcrédito.
Restringir isso, num contexto onde apenas 5% da população investe no mercado de capitais, enquanto 22% veem nas apostas esportivas uma forma de "investimento", é um erro estratégico[5].

Subtrair essa flexibilidade da agenda desenvolvimentista da CVM, quando o Open Finance ainda nem mostrou todo o seu potencial no setor de capitais, é impedir o crescimento do mercado de investimentos no Brasil.
O percentual da população que investe no mercado de capitais já é absurdamente pequeno. Impor barreiras adicionais torna ainda mais difícil democratizar o acesso a investimentos, enquanto o setor bancário já colheu os frutos dessa inovação.
Nosso estudo comparativo com mercados internacionais mostrou que regulações semelhantes são aplicadas de maneira mais eficiente, e há muitos anos. Na União Europeia, por exemplo, a Diretiva de Requisitos de Capital (CRD) estabelece que apenas instituições licenciadas por reguladores nacionais (como BaFin na Alemanha, Autorité de contrôle prudentiel et de résolution (ACPR)na França e Banco de Portugal) podem usar "bank" em suas denominações. No Reino Unido, a Financial Conduct Authority (FCA) e o PRA impõem restrições semelhantes (o Banking Act britânico data de 1979), enquanto nos EUA, a Federal Deposit Insurance Corporation Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) e o Office of the Comptroller of the Currency (OCC) monitoram o uso da palavra "banco".
Nessas jurisdições, a preocupação dos Reguladores é conferir clareza ao consumidor sobre os mecanismos de segurança que a manutenção de seus fundos, em instituições bancárias, possui. Acreditamos que essa também deveria ser a principal preocupação do BCB, mas pelo visto não é.
Vejam como isso é contraditório: no Brasil há instituições não bancárias, como as SCFI, que são associadas ao Fundo Garantidor de Créditos - FGC[5] e, portanto, os fundos dos seus clientes estão assegurados, tal e qual estariam se fosse mantido em um “banco” propriamente dito – seguem os exemplos dessa discrepância:

Esses são exemplos de Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimentos que são associados ao FGC e, portanto, neles os fundos dos seus clientes estão cobertos/assegurados, até o valor de R$ 250 mil – como todos os demais “bancos”.
Não faz sentido algum restringir a utilização de expressões como “bank” por instituições não só autorizadas e reguladas pelo BCB, especialmente com esses predicados, pois além de autorizados e regulados, essas instituições são também fiscalizadas/monitoradas diariamente pelo Banco Central - e oferecem serviços notadamente bancários.
É justamente a parcela mais vulnerável da população brasileira que (i) precisa de mais inclusão financeira; (ii) que mais vê nas apostas uma “renda extra”; (iii) que é mais suscetível à esquemas fraudulentos, ponzi e pirâmides de toda sorte e que; (iv) precisa ter facilidade de ver, nas instituições reguladas e fiscalizadas pelo BCB, como o lugar onde podem alcançar seus objetivos financeiros.
🎯 O VERDADEIRO PROBLEMA ESTÁ SENDO IGNORADO- INCOERÊNCIA É PRIMA-IRMÃ DA INJUSTIÇA ⚖️
BCB está menosprezando seu poder fiscalizatório ao olhar, somente, uma das faces da mesma moeda. Enquanto empresas reguladas seriam obrigadas a mudar suas marcas, pirâmides financeiras e empresas não fiscalizadas poderiam continuar utilizando nomes enganosos livremente. A pesquisa da FIN+ demonstrou que diversas empresas não regulamentadas no Brasil já utilizam denominações enganosas e, até o momento, nenhuma ação específica foi tomada para coibir tais práticas.
Além disso, pensando em situações de risco sistêmico, de insolvência por parte dessas instituições, a FIN+ realizou um levantamento sobre as regras prudenciais para Instituições de Pagamento e Emissores de Moeda Eletrônica no Brasil, comparando com as exigências em mercados como EUA, UE e Reino.
O Brasil adota um modelo prudencial robusto para instituições de pagamento, comparável ao dos Estados Unidos, com exigências de capital mínimo elevadas e forte supervisão pelo Banco Central. Já na União Europeia e no Reino Unido, as exigências são mais flexíveis, refletindo uma abordagem regulatória menos rígida para instituições de menor porte.
Em todas essas jurisdições, a segregação dos fundos dos clientes é obrigatória, garantindo que o dinheiro armazenado em contas de pagamento não seja utilizado para outras finalidades pelas instituições. Essa exigência visa proteger os clientes e mitigar riscos sistêmicos, um princípio compartilhado tanto pelo Banco Central do Brasil quanto pela FCA no Reino Unido e pelas diretrizes da PSD2 na União Europeia. No entanto, apesar dessas medidas de segurança, os fundos mantidos em instituições de pagamento não contam com garantias equivalentes às dos depósitos bancários tradicionais, como o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) no Brasil, o FSCS no Reino Unido ou o FDIC nos EUA. Dessa forma, embora essas empresas sejam submetidas a regras prudenciais rigorosas, seus clientes ainda assumem um risco maior em comparação com aqueles que depositam recursos em bancos regulados – e é isso que precisa ficar claro para o consumidor.
Tal como nas jurisdições e reguladores pesquisados pelo time de research da FIN+, isso deveria ser tratado por Lei Federal, não resolução emitida por Regulador -ainda que conjunta, BCB/CMN -, abrangendo toda e qualquer empresa que venha a utilizar “palavras sensíveis” em sua razão social e nome fantasia.
📝 CONCLUSÃO – SE O REMÉDIO FOR MUITO FORTE, PODE MATAR O PACIENTE ANTES DE CURAR A DOENÇA 💊
O Banco Central quer aumentar a transparência, mas pode acabar dificultando a atuação de empresas que já operam dentro da legalidade e sob fiscalização rigorosa.
Enquanto isso, golpes financeiros e pirâmides cripto seguem livres para se passar por bancos, sem qualquer restrição real ao uso de nomes enganosos. O Brasil precisa de mais inclusão financeira, não de mais barreiras para quem já está tentando fazer a coisa certa.
Opinião da FIN+: Regulamentação é essencial, mas precisa ser aplicada de forma inteligente. Se o objetivo é proteger o consumidor, por que não começar onde o problema realmente está? A Consulta Pública 117/2025 pode ser um passo na direção certa, mas sem ajustes, pode acabar prejudicando mais do que ajudando. Se o remédio for muito forte, pode matar o paciente antes de curar a doença.
[2] Você encontra o resultado da nossa pesquisa, com a lista dessas instituições, aqui: https://drive.google.com/file/d/1-HMyHCBeJOWS9G8-fQVWbLbfttUNBjVk/view?usp=sharing
[3] Nubank e Mastercard publicaram estudo intitulado “Beyond access: A look into the drivers of long-term financial health” sobre o impacto do “roxinho” na bancarização da população (https://mastercardcontentexchange.com/news/media/1q0hfryx/mcg-24054-nubank-financial-inclusion-whitepaper_final.pdf). Antes, o neobanco já havia apresentado seus números sobre o tema (https://backend.blog.nubank.com.br/wp-content/uploads/2023/03/DataNubank6-InclusaoFinanceira_FINAL.pdf), de onde extraímos as seguintes conclusões:
O impacto do Nubank na inclusão financeira brasileira pode ser mensurado pelos dados do estudo analisado, que indicam que 11% dos 35 milhões de clientes pesquisados afirmaram ter tido acesso a uma conta bancária pela primeira vez por meio do Nubank, o que representa aproximadamente 3,85 milhões de pessoas anteriormente desbancarizadas. Além disso, entre julho de 2021 e julho de 2022, 5,7 milhões de clientes sem histórico de crédito conseguiram um cartão de crédito com limite aprovado, enquanto 2,5 milhões acessaram seu primeiro empréstimo pessoal pela fintech. A democratização dos serviços financeiros promovida pelo Nubank também se reflete no perfil dos incluídos: 80,2% dos clientes que obtiveram seu primeiro cartão de crédito tinham renda de até R$ 2,5 mil, assim como 54,5% dos que contrataram um empréstimo e 56,2% dos que iniciaram investimentos. Regionalmente, a fintech ampliou o acesso especialmente no Nordeste e Sudeste, onde 31,4% e 37,4% dos clientes, respectivamente, conseguiram seu primeiro cartão de crédito. Quanto ao perfil demográfico, 44,5% dos novos incluídos no crédito eram mulheres, e 56,5% dos novos clientes tinham entre 18 e 30 anos, reforçando a relevância da fintech na inclusão de jovens. Importante ressaltar que essa ampliação do crédito não acarretou aumento significativo da inadimplência, com a taxa de atraso no pagamento de faturas do Nubank registrada em 5,3% no quarto trimestre de 2022, abaixo da média do mercado, de 7,8%, segundo dados do Banco Central.
[4] É o que aponta a 7ª Edição da pesquisa “Raio-X do Investidor Brasileiro” conduzida pela ANBIMA em parceria com o Datafolha, que você encontra aqui: https://www.anbima.com.br/pt_br/especial/raio-x-do-investidor-brasileiro.htm
[1] Você encontra o Edital e a minuta de resolução conjunta aqui: https://www3.bcb.gov.br/audpub/DetalharAudienciaPage?7&audienciaId=761
[2] O Parecer, assinado pelo Procurador do Banco Central Humberto Cestaro Teixeira Mendes, que estava a frente da Procuradoria Especializada de Consultoria em Supervisão do Sistema Financeiro (PRSUP), pode ser lido aqui: https://revistapgbc.bcb.gov.br/plugins/generic/pdfJsViewer/pdf.js/web/viewer.html?file=https%3A%2F%2Frevistapgbc.bcb.gov.br%2Frevista%2Fissue%2Fdownload%2F35%2F164
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